sábado, 28 de maio de 2016

(momento prosa)

Ouvi falar muito de inimigo, ultimamente.

 Já vi definição de ódio como sendo uma aversão intensa, geralmente motivada por medo, raiva ou injúria sofrida (não citarei fontes em nenhum momento). Os egípcios, se não me engano, tinham hieróglifos semelhantes para ódio e amor, mas se isso procede ou não, não é importante.

Talvez, o importante seja que o ódio é um fiel parceiro da raiva, que muitos até acham que são a mesma coisa, e, cada vez mais, um companheiro fiel da intransigência, da frieza e outras coisas, mas jamais da alegria ou da sobriedade. É um conselheiro constante como a morte, mas que, ao contrário dela, não tem o poder de nos mostrar com certeza o destino que nos cabe.

As origens desse ódio são bem complicadas de se entender. Pode-se dizer que ele adentra o ser através das lutas que travamos contra certos inimigos que cruzam nossos caminhos. Conheço textos que colocam o Medo como sendo o primeiro grande inimigo natural do homem, aquele que vemos em cada esquina, e que é a grande porta de entrada de toda e qualquer forma de manipulação, o inimigo ao qual a grande maioria dos seres humanos, até hoje, sucumbem e morrem sem nem reconhecer ou entender a que tamanho ele chegou, ou a que tamanho esses próprios seres podem chegar.

O entregar-se ao Medo reverencia a Raiva como sua Senhora. Mas conheço muitos que vão dizer “só que eu não tenho medo, eu o venci”. Ótimo, é a hora, então, de respirar e apreciar sua clareza conquistada, o momento em que sua inteligência corre livre, sem ninguém para ser obstáculo ou ter a audácia de querer confrontar suas ideias, pois não se tem mais medo de ninguém. É hora de avançar, mesmo sendo a hora de esperar, ou de esperar, mesmo sendo a hora de avançar, nada disso importa mais, pois não se tem mais medo.

É quando chega o momento de perceber que não há respeito, nem as mudanças que pareciam estar para acontecer, apenas identificação e uma clareza estéril que, ao invés de iluminar, escurece e promove a entrega dos que ainda têm medo. Mais do mesmo. Certas dicotomias começam a tomar forma (falarei delas daqui a pouco), palavras são escolhidas, outras são escondidas, informações são trocadas, tudo como sempre foi. E mais gente ainda sucumbe e morre sem nem reconhecer ou entender a que tamanho a Clareza, o segundo grande inimigo natural do homem, chegou, ou a que tamanho os próprios seres humanos podem chegar.

O entregar-se à Clareza reverencia a Intransigência como sua Senhora. Mas, ao tomar consciência de sua esterilidade, o homem não tem mais outra opção senão perseguir, por livre e espontânea vontade, algo que não consegue tocar, algo que nunca será seu, mas que, mesmo assim, está ali do seu lado para ser colhido, algo que parece poder acabar finalmente com a loucura que seu ego provocou, tanto no Medo quanto na Clareza. Eis que ficam ainda mais claras as tais dicotomias para tentar definir esse novo desconhecido que chegou: ele fala de bem e mal, branco e preto, certo e errado, direita e esquerda, inteligente e burro, Deus e Diabo, macho e viado, Asterix e Obelix... mas nunca fica satisfeito. Mesmo assim, passa a experimentar o poder de seus atos, a força de suas palavras, e tornar-se o que quiser. É ouvido, entendido, amado, ou até odiado, mas, antes de tudo, respeitado. Cada gesto seu modifica povos inteiros. O poder agora é dele, e, ao mesmo tempo, não é.

Sua influência passa, então, a sofrer o efeito de seu velho ego, e ele começa a dar um preço ao seu poder, é o maioral, intocável, frio e tirano. Mesmo longe de qualquer cargo alto ou hierarquia, seu Poder, o terceiro grande inimigo natural do homem, não é estéril, mas passa a jogar luz unicamente sobre as próprias profundezas obscuras do homem, seu ego impede que os outros homens avancem com seus próprios poderes, mas que reverenciem o poder do próprio tirano. E ele sucumbe e morre sem nem reconhecer ou entender que o poder nunca foi seu, ou a que tamanho ele, e os outros que sucumbiram com ele, poderiam chegar.

O entregar-se ao Poder reverencia a Frieza como sua Senhora. Benevolência e sobriedade tornam-se apenas coisas de uma distante criança no coração de um homem cruel.
Como se já não bastasse, ele irá topar, mais à frente, com mais dois grandes inimigos naturais, mas não vem ao caso falar deles aqui. Há sempre um homem que foge do ciclo e não se entrega, aceitando suas batalhas contínuas, de uma vida inteira, para ver um Homem de Conhecimento surgir.

Não queria bater na tecla que muitos discursos de ódio ironizam, e perguntar qual é o verdadeiro inimigo, mas é inevitável a essa altura.

Não tenho nada de político, mas a arte já me deu as caras em alguns momentos. Creio até mesmo que, talvez, tenha muito pouco de ser humano. Sou dos que acreditam na arte como sendo a mentira reveladora da verdade, e na política como a mentira que a oculta. Creio na necessidade de artistas lutarem contra os inimigos de verdade, inimigos que não tornam fácil de se fingir que não existem só porque achamos que não temos a menor chance, ou que somos humanos demais para uma luta dessa – desculpa de cristão pecador é não ser Jesus Cristo. Creio, também, na tristeza e na frustração, em pessoas abandonadas (sei lá em qual nível), que são incapazes de tocar nas pessoas – que amam ou não – sem enrijecer cada músculo do corpo, que lutaram e se ergueram sozinhas apenas para, mais tarde, se fecharem, estéreis e duras de tanta dor pelo caminho. Creio, ainda mais, em pessoas que definiram uma vida inteira a partir de um único momento que, provavelmente, sucumbirão antes que venham a se lembrar qual. Mas quero, ainda mais que tudo, que todos travem suas próprias lutas e que não fujam delas.

Precisamos saber de onde vem o ódio, pois até a voz da morte é mais bonita que a dele. Um deles a gente consegue vencer, o outro é um companheiro de uma vida inteira.

Mas, também, não se deixem levar por essas palavras, elas não valem nada para ninguém mais além de mim, se assim preferirem achar. Cacem o poder, e que ele jamais seja de vocês, que saibam perceber isso e usá-lo com o mesmo espírito que usariam suas próprias pernas na fuga contra um predador faminto – uma coisa que jamais lhe ocorreria, certamente, seria ficar ofendido ou rancoroso com uma onça que está correndo atrás de você, pois o espírito de um homem que está em uma luta verdadeira, de respeito e propósito inabalável, não tem espaço para nenhum outro capricho. Assim, sempre desconfie das lutas que te trazem raiva, rancor, desprezo, crueldade e etc., pois esses jamais serão os parceiros da verdadeira luta, e sim da entrega diante daquilo que está enterrado a setenta palmos nas profundezas de sua própria história e que deve ser arrancado com a mesma fúria que, um dia, a morte irá lhe arrancar deste mundo.

 Não temos tempo.

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