(momento prosa)
Ouvi falar muito de inimigo, ultimamente.
Já vi definição de
ódio como sendo uma aversão intensa, geralmente motivada por medo, raiva
ou injúria sofrida (não citarei fontes em nenhum momento). Os egípcios,
se não me engano, tinham hieróglifos semelhantes para ódio e amor, mas
se isso procede ou não, não é importante.
Talvez, o importante
seja que o ódio é um fiel parceiro da raiva, que muitos até acham que
são a mesma coisa, e, cada vez mais, um companheiro fiel da
intransigência, da frieza e outras coisas, mas jamais da alegria ou da
sobriedade. É um conselheiro constante como a morte, mas que, ao
contrário dela, não tem o poder de nos mostrar com certeza o destino que
nos cabe.
As origens desse ódio são bem complicadas de se
entender. Pode-se dizer que ele adentra o ser através das lutas que
travamos contra certos inimigos que cruzam nossos caminhos. Conheço
textos que colocam o Medo como sendo o primeiro grande inimigo natural
do homem, aquele que vemos em cada esquina, e que é a grande porta de
entrada de toda e qualquer forma de manipulação, o inimigo ao qual a
grande maioria dos seres humanos, até hoje, sucumbem e morrem sem nem
reconhecer ou entender a que tamanho ele chegou, ou a que tamanho esses
próprios seres podem chegar.
O entregar-se ao Medo reverencia a
Raiva como sua Senhora. Mas conheço muitos que vão dizer “só que eu não
tenho medo, eu o venci”. Ótimo, é a hora, então, de respirar e apreciar
sua clareza conquistada, o momento em que sua inteligência corre livre,
sem ninguém para ser obstáculo ou ter a audácia de querer confrontar
suas ideias, pois não se tem mais medo de ninguém. É hora de avançar,
mesmo sendo a hora de esperar, ou de esperar, mesmo sendo a hora de
avançar, nada disso importa mais, pois não se tem mais medo.
É
quando chega o momento de perceber que não há respeito, nem as mudanças
que pareciam estar para acontecer, apenas identificação e uma clareza
estéril que, ao invés de iluminar, escurece e promove a entrega dos que
ainda têm medo. Mais do mesmo. Certas dicotomias começam a tomar forma
(falarei delas daqui a pouco), palavras são escolhidas, outras são
escondidas, informações são trocadas, tudo como sempre foi. E mais gente
ainda sucumbe e morre sem nem reconhecer ou entender a que tamanho a
Clareza, o segundo grande inimigo natural do homem, chegou, ou a que
tamanho os próprios seres humanos podem chegar.
O entregar-se à
Clareza reverencia a Intransigência como sua Senhora. Mas, ao tomar
consciência de sua esterilidade, o homem não tem mais outra opção senão
perseguir, por livre e espontânea vontade, algo que não consegue tocar,
algo que nunca será seu, mas que, mesmo assim, está ali do seu lado para
ser colhido, algo que parece poder acabar finalmente com a loucura que
seu ego provocou, tanto no Medo quanto na Clareza. Eis que ficam ainda
mais claras as tais dicotomias para tentar definir esse novo
desconhecido que chegou: ele fala de bem e mal, branco e preto, certo e
errado, direita e esquerda, inteligente e burro, Deus e Diabo, macho e
viado, Asterix e Obelix... mas nunca fica satisfeito. Mesmo assim, passa
a experimentar o poder de seus atos, a força de suas palavras, e
tornar-se o que quiser. É ouvido, entendido, amado, ou até odiado, mas,
antes de tudo, respeitado. Cada gesto seu modifica povos inteiros. O
poder agora é dele, e, ao mesmo tempo, não é.
Sua influência
passa, então, a sofrer o efeito de seu velho ego, e ele começa a dar um
preço ao seu poder, é o maioral, intocável, frio e tirano. Mesmo longe
de qualquer cargo alto ou hierarquia, seu Poder, o terceiro grande
inimigo natural do homem, não é estéril, mas passa a jogar luz
unicamente sobre as próprias profundezas obscuras do homem, seu ego
impede que os outros homens avancem com seus próprios poderes, mas que
reverenciem o poder do próprio tirano. E ele sucumbe e morre sem nem
reconhecer ou entender que o poder nunca foi seu, ou a que tamanho ele, e
os outros que sucumbiram com ele, poderiam chegar.
O entregar-se
ao Poder reverencia a Frieza como sua Senhora. Benevolência e
sobriedade tornam-se apenas coisas de uma distante criança no coração de
um homem cruel.
Como se já não bastasse, ele irá topar, mais à
frente, com mais dois grandes inimigos naturais, mas não vem ao caso
falar deles aqui. Há sempre um homem que foge do ciclo e não se entrega,
aceitando suas batalhas contínuas, de uma vida inteira, para ver um
Homem de Conhecimento surgir.
Não queria bater na tecla que
muitos discursos de ódio ironizam, e perguntar qual é o verdadeiro
inimigo, mas é inevitável a essa altura.
Não tenho nada de
político, mas a arte já me deu as caras em alguns momentos. Creio até
mesmo que, talvez, tenha muito pouco de ser humano. Sou dos que
acreditam na arte como sendo a mentira reveladora da verdade, e na
política como a mentira que a oculta. Creio na necessidade de artistas
lutarem contra os inimigos de verdade, inimigos que não tornam fácil de
se fingir que não existem só porque achamos que não temos a menor
chance, ou que somos humanos demais para uma luta dessa – desculpa de
cristão pecador é não ser Jesus Cristo. Creio, também, na tristeza e na
frustração, em pessoas abandonadas (sei lá em qual nível), que são
incapazes de tocar nas pessoas – que amam ou não – sem enrijecer cada
músculo do corpo, que lutaram e se ergueram sozinhas apenas para, mais
tarde, se fecharem, estéreis e duras de tanta dor pelo caminho. Creio,
ainda mais, em pessoas que definiram uma vida inteira a partir de um
único momento que, provavelmente, sucumbirão antes que venham a se
lembrar qual. Mas quero, ainda mais que tudo, que todos travem suas
próprias lutas e que não fujam delas.
Precisamos saber de onde vem o
ódio, pois até a voz da morte é mais bonita que a dele. Um deles a
gente consegue vencer, o outro é um companheiro de uma vida inteira.
Mas, também, não se deixem levar por essas palavras, elas não valem
nada para ninguém mais além de mim, se assim preferirem achar. Cacem o
poder, e que ele jamais seja de vocês, que saibam perceber isso e usá-lo
com o mesmo espírito que usariam suas próprias pernas na fuga contra um
predador faminto – uma coisa que jamais lhe ocorreria, certamente,
seria ficar ofendido ou rancoroso com uma onça que está correndo atrás
de você, pois o espírito de um homem que está em uma luta verdadeira, de
respeito e propósito inabalável, não tem espaço para nenhum outro
capricho. Assim, sempre desconfie das lutas que te trazem raiva, rancor,
desprezo, crueldade e etc., pois esses jamais serão os parceiros da
verdadeira luta, e sim da entrega diante daquilo que está enterrado a
setenta palmos nas profundezas de sua própria história e que deve ser
arrancado com a mesma fúria que, um dia, a morte irá lhe arrancar deste
mundo.
Não temos tempo.
sábado, 28 de maio de 2016
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